NR - Única imagem que conseguimos encontrar na net!Se tudo correr bem, esperamos ter dois dedos de conversa com o Pe Horácio na próxima semana.ac
Sim! Há Vida na Charneca
O P. Horácio é conhecido de todos nós. Mesmo daqueles que não tiveram a sorte de ter sido seus alunos. Nos encontros da Buraca, lá aparecia como sempre foi: discreto, delicado, afável, pronto para contar uma história de encantar, vendo , nas mais acidentadas situações da vida, a mão protectora de Deus. Na plenitude crepuscular dos anos, não deixa esmorecer o toque de humor aristocrático em que se congraça a simplicidade com a legenda dourada de missionário e artista. É esta faceta que, só em parte, gostaria de abordar, como aperitivo do nosso grande encontro do Gavião!
Alguns dados biográficos: Nasceu em Góis em 16.07.1925. “Lembro-me de o ver passar na rua todo jovem e airoso, vestido de preto. Filho dos saudosos Goienses Augusto Nogueira e Albertina Melão, tive mesmo a oportunidade de ler o seu livro: “ Há Vida na Charneca”, e conheciuma letrainteressante que fez para uma marcha do S. João, do Terreirinho-Góis, local exacto onde nasceu.”- testemunha um seu conterrâneo.
Infelizmente, ainda não tive acesso a outras obras como “ Estrela da Planície”( poemas,1955); “Cabo Verde”, ( Poemas, 1960): “ Natal em S.Tomé” ( Novela, 1962); “ A Vida recomeça hoje” (Novela, 1962) …
Antes de me referir à sua “Há Vida na Charneca”, esse admirável políptico de várias narrativas alentejanas, deixem-me puxar um pouco pelo fio das recordações…Estou a vê-lo a descer a escadaria da parte traseira do velho solar do seminário do Gavião, onde se erguia, altaneira, uma buganvília queia enroscar-se nas grades do varandim. Era uma tarde de 1954. Lembro-me, como se fosse hoje, do sorriso solar e simpático que dirigiu a um magote de rapazes que ali se encontrava, à espreita da última réstia de sol. Montou na motoreta e disparou a caminho da Comenda. Dois anos depois, já o encontramos em Alcains, como professor de Música e Matemática, uma associação pitagórica que o seu espírito cultivava com talento e esmero.
Às vezes, sentado no muro, debaixo dos plátanos, respirando o perfume da quinta, dedilhava, concentrado, o número de sílabas de um verso. No convívio com as musas, os seus olhos ganhavam outro fulgor!
No fim de cada período, lá íamos em procissão para o ritual da despedida. O Senhor Reitor, guardião do santuário, alertava-nos para os perigos da liberdade. Fora da gaiola, sabe-se lá em que armadilhas os passarinhos podiam cair! No quarto do P. Horácio, não havia sermões. Cantava, sim, a banda filarmónica dos bonecos. E nas estantes, fileiras de volumes castanhos da Livraria Sá da Costa escondiam o mundo encantado da Literatura onde pulavam as palavras, em cuja exploração, desde cedo, o nosso escritor, se ocupava com afinco e prazer. É este domínio da linguagem, em todos os seus cambiantes, a par do recorte modernista da sua frase e da mestria da arte de contar, que mais terá agradado aos críticos aquando da publicação da sua “Há Vida… “João GasparSimões, o corifeu da crítica, por muitos e largos anos, não poupou nos elogios. Em que não era pródigo, diga-se de passagem!
Em 1959-60, depois de ter fundado, com sucesso, o Orfeão deCastelo Branco, repete, em escalaintercontinental, a breve aventura do Alentejo, que lhe deixara fundos sulcos na alma. O poeta não cabia nos muros de uma quinta da Beira. Tomara o gosto do espaçoinfinito da planície! E quando o espírito missionário se lhe junta, não há amarras que o prendam. O apelo de África arrancou-o de vez ao chão estreito e rotineiro do seminário, que fora a sua escola de formação cultural e artística – um berço onde não lhe faltara um paie um mestre. Coisa forte de mais para ser esquecida, como deixou escrito nas primeiras páginas da “ Há Vida…”
As narrativas desta obra trazem a autenticidade da marca da 1ª pessoa, em que o “eu” narrante tende aidentificar-se, em certa medida, com o “eu” narrado. Encontram-se emolduradas entre dois momentos de tensão dramática, de sinal contrário, separados pela duração de dois breve anos. A “despedida” do Senhor Reitor assume o significado negativo, disfórico, diria, tão doloroso quantoimprevisto. O caso foio seguinte: o autor sentiu vontade de fazer uma experiência pastoral fora do seminário. Para um jovem padre que, para mais, sentia pulsar dentro de siuma alma de poeta, nada mais natural do que o desejo de alargar os horizontes de comunicação no contacto refrescante com novos espaços e novas gentes.
Saboreava ainda a alegria da nomeação para a Comenda quando se viu envolvido num “conflito” com o Senhor Reitor, que, nessa atitude, viu um agravoimperdoável. E, como não era pessoa para engolir afrontas, desferiu-lhe, ríspido: “Só desejo que seja feliz e que nunca se arrependa do crime que cometeu.”O jovem professor ficou siderado. Nessa noite, suando, febril, com o remorso a morder-lhe a consciência, os olhosinchados de lágrimas represas, mal adormeceu.
Virada a página, com o espírito solar que o caracteriza, despede-se dos plátanos, carvalhos, amendoeiras…num dia lindo de viagem. “ E parto. Parto para o desconhecido. Para uma vida nova.”
Demos agora um salto de dois anos, para, em contraponto, colocarmos outra situação de “despedida” ( ler éisto: confrontar textos!) em que entraigualmente um velho venerando de cabeça nevada por muitosinvernos. Por um desígnioinsondável do poder, “ Malhas que o Império tece!”, o autor vê-se obrigado a regressar ao ponto de partida. Vem “contente”, mas não radiante de alegria. Atravessa-o um travo de saudade e a mão cheia dos afectos semeados em plena planície alentejana. Ouçamo-lo na suavidade da voz do narrador, moderada e “cantabile”: “Foina hora da partida. Um velho alentejano avançou do meio de todos e, com duas lágrimas grossas a saltar dos olhos, subiu os degraus do varandim da casa:” deixe-me dar-lhe um beijo, que o senhor merece-o!” Este beijo, carregado de simbolismo, sintetiza, de forma expressiva, o balanço da acção humana e pastoral do autor. As portas do mistério da planície, fechadas em reservas e desconfianças noinício, abrem-se-lhe agora de par em par. Arrotear terras bravias, abrir clareiras, rasgar caminhos… de humanidade e poesia - eis o que o poeta-pastor fizera. Para transformar a charneca numa terra de encanto, muito lhe serviu a magia do sorriso - aquele sorriso da escadaria do velho solar e a sensibilidade humanística do ofício de Orfeu.
( Há mais uns tantos episódios para comentar. Fá-lo-ei, em dois apontamentos, se quiserem)
Um abraço, João.
João de Oliveira Lopes
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