Bom, agora a sério.
Meu querido António Colaço. Para tu fazeres o que quiseres envio aquela prosa de que te falei e que mandei para a Reconquista.É extensa e chata, mas aqui vai para quem quiser passar o tempo numa noite de insónias.
Um abraço
Silvério
A23 no coração do nosso interior. Bem
no interior do nosso coração.
ac A propósito de um convívio de antigos alunos dos Seminários de Gavião, Alcains e Portalegre.
ALGUMAS REFLEXÕES No dia 18 de Julho de 2009 um grupo de antigos alunos que entraram no seminário de Gavião no longínquo ano de 1961 reuniu-se num animado convívio que teve lugar no aprazível Parque de São Lourenço, em Abrantes.

É impossível descrever como se processou o reencontro de cerca de 40 homens, meninos que um dia foram deixados longe das suas famílias e das suas casas, que passaram a viver juntos 24 horas por dia durante alguns anos e, que, de repente, se foram separando ao longo do caminho para só se voltarem a encontrar passado todo este tempo.
Só quem compartilhou aqueles momentos poderá fazer uma ideia da intensidade das emoções, do que cada um sentiu ao comparar as caras que ainda tinha na memória de quem se tinha separado há tantos anos, dos cumprimentos quase a medo que logo se transformavam num efusivo abraço ao amigo ou companheiro de todos os momentos e de que afinal nunca se tinha esquecido, das histórias e episódios que se lembraram, da riqueza da experiência da vida de cada um compartilhada entre todos, das palmas que se bateram, dos poemas que se disseram, das cumplicidades e dos laços que persistem.
Pode legitimamente perguntar-se o que tem de relevante, a não ser para os próprios, o reencontro de antigos alunos de uma escola, de um liceu ou de um seminário, afinal, igual a tantos outros convívios que ocorrem por todo o país? Vejamos.
1. O relevante contributo dos “liceus dos pobres”.Talvez valha a pena não se ficar pela resposta óbvia à questão colocada e aproveitar o ensejo para umas breves reflexões sobre o papel dos seminários na formação de milhares de jovens portugueses que os frequentaram até há duas ou três décadas atrás, nomeadamente no interior do país. Onde estão essas pessoas,
o que fazem e o que podem/devem fazer pela sua região, pelo interior do país?Alguém disse que os Seminários eram os “liceus dos pobres”, dos jovens oriundos dos meios rurais e das famílias com menos recursos que doutro modo não poderiam enviar os seus filhos para estudar.
É verdade que – já nessa altura o interior era desprotegido face ao litoral – não havia continuidade escolar depois da instrução primária, as escolas públicas se situavam quase exclusivamente nas sedes dos distritos, que a cultura oficial tendia a privilegiar os filhos das pessoas mais influentes e poderosas e que, consequentemente, a ida para um sistema de internato nos seminários era a solução para a pouca oferta do sistema de ensino publico e para a escassez de recursos de que a esmagadora maioria da população sofria.
Porém, quem viveu a experiência de ter estudado num Seminário não pode esquecer-se da excelência do ensino que aí era ministrado, dos bons resultados que se obtinham no denominado “liceu dos ricos” quando lá íamos fazer os exames, mas, sobretudo, da educação cívica e humanista que lá se recebia, do espírito de sacrifício, da disciplina, dos métodos e da capacidade de trabalho que lá se incutiam nos alunos.
É curioso observar que muitas das escolas e colégios que hoje aparecem nos primeiros lugares do ranking da classificação do ensino praticam métodos muito semelhantes aos que os Seminários já aplicavam há muitas décadas atrás.
Gente com muito valor que passou por tais estabelecimentos da Igreja Católica deu e continua a dar o seu contributo ao país nas mais variadas áreas da actividade económico-social, do ensino e da administração pública.
2. As razões e as consequências do declínio dos Seminários.São variadas e múltiplas as razões que levaram à quase extinção dos Seminários, as quais não cabe aqui analisar.
Uma das razões pelas quais há hoje muito menos procura destes estabelecimentos de ensino prende-se, naturalmente, com a melhoria da situação económica das famílias, com o alargamento da rede escolar, com a chamada democratização do ensino, com o apoio das autarquias no transporte de alunos, com a própria perda de ritmo e de influência da Igreja Católica, entre outros factores.
Sem deixar de reconhecer estes factores, e não entrando na questão mais profunda da chamada falta de vocações, não deixamos de lamentar o quase abandono a que muitos dos bons edifícios dos seminários estão votados e o ter-se perdido um factor de peso a favor do interior que era justamente a qualidade do ensino que aí se praticava.
Em nosso modesto entender, pensamos que o país, no seu conjunto, perdeu também excelentes agentes, com provas dados ao longo dos anos, para as magistraturas judiciais, para o ensino, para a administração pública, para a carreira militar e para muitos outros sectores da vida nacional. Todos perderam por terem deixado de ter o contributo de muitos jovens que tinham a principal fase da sua formação nesses excelentes estabelecimentos de ensino que eram os Seminários.
3. Temos um dever de gratidão, podemos e devemos fazer mais.Nestes tempos de superficialidades e incertezas, nestes tempos de mudança para um novo tempo, que esperamos seja melhor, estes encontros não são apenas para matar saudades de um passado longínquo, que não voltará jamais e que não queremos que volte. Estes encontros servem também para fazer alguma reflexão sobre a força que temos e sobre o
papel mais activo que muitos poderiam desempenhar em prol do interior, de onde afinal todos somos originários, cada vez mais pobre e abandonado.
Nós que viemos da tal ruralidade onde nada era fácil, nós que não tínhamos as bibliotecas cheias de livros para consultar, nós que não tínhamos nomes sonantes, nós que tivemos de lutar para conquistar a pulso tudo o que obtivemos, nós que tivemos de fazer das fraquezas força, nós poderemos e deveremos agora devolver alguma desta experiência e saber a um meio que bem conhecemos, talvez como ninguém.
Os partidos políticos, os Governos, a maioria dos deputados, as instituições tradicionais em geral foram capturados pelo litoral, pela lógica dos votos, pelos interesses económicos, pelas máquinas do poder.
É revoltante ver as matas cada vez mais destruídas pelos fogos e com elas muitas aldeias e pequenas unidades empresariais que delas viviam. Não podemos calar a nossa indignação ao sabermos que uma pequena parte dos milhões que são investidos na chamada indústria do fogo daria para as limpar e ordenar e assim evitar que os contribuintes tivessem que suportar esta orgia de esbanjamento de dinheiros que nada resolve e que, como todos sabem, enchem os bolsos de alguns.
Temos que ficar espantados quando o país discute obras faraónicas, projecta mais auto-estradas paralelas umas às outras que já estão às moscas, quando assistimos a manifestações de populações do litoral que não querem mais auto-estradas a passar-lhe à porta, quando existem muitos buracos negros no interior do país onde nem um quilómetro de estrada decente foi feito depois do 25 de Abril.
É certo que restam as autarquias que vão fazendo o que podem, mas não podem ser apenas elas, as máquinas dos ministérios não podem existir apenas para o litoral.
Sabemos tudo isto e por isso é nosso dever não ficar de braços cruzados. Não poderemos fazer grandes coisas é certo, não preconizamos nenhuma guerra entre o litoral e o interior que, de resto, sempre perderíamos. Mas, ao menos, exerçamos o nosso direito à indignação, escrevamos, lavremos os nossos protestos por todas as formas que conseguirmos, utilizemos o nosso espaço de intervenção – e há colegas bem colocados nos aparelhos partidários do arco do poder (olá meu querido amigo António Colaço) – para chamar a atenção para este criminoso abandono de uma parte significativa do país.
Não reneguemos as nossas origens, saibamos utilizar a nossa força, honrar e homenagear, ainda que simbolicamente, todos os que se sacrificaram por nós, os que nos ensinaram, os que não têm voz. Sejamos dignos de nós próprios.
J. Silvério MateusPS: A propósito de estradas, temos que reconhecer a nossa gratidão ao litoral por ter tido a generosidade de perder talvez 100 metros de auto-estrada para desviar o dinheiro para dar um arranjinho à estrada entre Vila de Rei e a Sertã. Mil vezes obrigado. No demais, depois de anúncios vários, é mais um Governo que, dando continuidade aos anteriores, chega ao fim sem nada se ver. E, obviamente, não nos referimos apenas às estradas.
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NR - Título e sublinhados nossos. Aqui como em qualquer lugar, meu caro
Joaquim Silvério contas sempre comigo. Esteja eu "colocado" onde quer que seja! Foi sempre assim. Voltaremos à liça! Venham os contributos!
Está aberto o Debate!antónio colaço