Mais um grande livro do Florentino “ As festas das papas são em Alcains o mais belo padrão dos nossos usos e costumes da terra e do seu folclore regional” ( p.144)
Trago aqui à colação esta proposição judicativa para me referir e prestar homenagem ao último livro do nosso Florentino Beirão “ A Festa das Papas de Alcains.-Um santo bodo da Beira Baixa” edição da Câmara Municipal de Castelo Branco, 2011, 240pp,- uma obra, a nona, da auspiciosa carreira do autor, um incansável investigador a quem Alcains e toda a nossa região da Beira-Baixa muito devem na definição da sua identidade histórica e cultural.
Trata-se de um ensaio de carácter histórico e etnográfico, de grande fôlego e rigor, sobre a vitalidade de uma tradição religiosa que remonta, pelo menos a 1640, ano lendário da praga de gafanhotos, e das suas metamorfoses ao longo do tempo. Numa linguagem simples e leve, mas rica e sumarenta no conteúdo, o Florentino vai desenrolando em nove capítulos e anexos a história dos bodos sagrados em honra do Santo Espírito, de S. Sebastião, Nossa Senhora e S. Pedro, que no chão templário da nossa Beira, se celebravam em clima de festa e de partilha comunitária.
Provavelmente, não faltarão pessoas a relegar estas promessas, votos ou bodos antigos, para o museu da saudade, peças de um património imaterial caído em desuso, ainda aqui e ali sobrevivendo como repasto da nova indústria do turismo de massas. Infelizmente, é verdade! Mas só em parte. E o nosso autor assume a tarefa de demonstrar, num estilo crítico e problematizante, o mais adequado às ciências humanas e sociais, que ainda será possível recuperar, com as devidas adaptações, a estrutura celebrativa, sacro-profana, desses rituais comunitários.
Mais.
A reactualização dessas ricas manifestações da religiosidade popular torna-se hoje mais urgente como forma de lutar contra o flagelo da desertificação do nosso interior rural, o laicismo niilista militante e o camartelo do capitalismo financeiro globalizado, que ameaça arrasar a diversidade cultural da nossa vivência histórica e , de uma golpada, cínica e gelada, enterrar no rio do esquecimento os direitos humanos fundamentais. Claro que não chegam os bodos, votos ou promessas que o povo a Deus fazia, em momentos de aflição colectiva, numa lógica de aliança ou compromisso histórico e inter-geracional. Mas a lição vivida da partilha, o sentido comunitário da festa, a fé inabalável do povo no Senhor e nos seus santos, que connosco fazem “história”, pode dar- nos uma “ forcinha” para resistir e lutar contra o “ gafanhoto”, símbolo bíblico e metáfora sinistra de todas as calamidades que se agarram à nossa pele, como ,outrora, os malditos insectos enegreciam as paredes das casas e das igrejas.
O Florentino não se limita à descrição etnográfica das festas. Desce até ao subtexto cultural que lhes dá coerência e sentido. E aqui se enlaçam as grandes correntes da espiritualidade que, a partir do séc. XII, no tempo da fundação da nacionalidade, apontaram nos céus da Europa: a visão profética do império do Santo Espírito do Abade Joaquim de Flora (1135-1202), o franciscanismo e a divulgação entre o povo do culto do Santo Espírito com todo o seu potencial contestatário e subversivo e o movimento dos templários que percorreram durante dois séculos as terras beirãs, gritando: Não a nós, Senhor…enquanto lançavam o grão nos campos que iam desbravando.
Povoar e cultivar para defender o território era o seu lema de autênticos colonizadores ( no sentido etimológico do termo). Da premente actualidade desta mensagem parece-me não haver dúvida! Em D. Dinis ( 1261-1325) o templarismo exprimiu-se numa nova síntese criativa: arar os campo e lavrar os mares, ( p.218), espírito de trabalho e aventura-temática abordada no nosso blogue pelo ilustre historiador António Manuel dos Vales .( Ó Tó Manuel, perdoa-me se digo alguma enormidade!)
É dito que a parte profana das festas se autonomizou, obnubilando-se a vertente religiosa. Sendo assim, aos cristãos o dever de não deixar que se apague a motivação principal da sua origem, a sua ligação genética à Providência, ao “ Pai Nosso que estais na terra”, que nos segue e acompanha nos trilhos sinuosos da vida. Para que se não perca a sua autenticidade. Para que seja possível com a festa- fenómeno comunitário de partilha e de subversão do poder e das rotinas - sonhar o futuro! “ Sem identidade e sem memória, os povos definham e morrem,”( p.212) , palavras sábias do nosso amigo e companheiro, que merecem o nosso acolhimento e aplauso total .
João Lopes
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