CRÓNICAS AO ACASO. A CRISE E ALGUNS CONTRIBUTOS PARA A RESOLVER (I)

Falar da “CRISE” que para aí vai não será à partida uma tarefa muito difícil. O tema é tão vasto que sempre se encontrarão umas larachas para dizer, uns números para apresentar, umas quantas críticas para fazer. Porém, os riscos de repetição e de não dizer nada de novo são também enormes, já que por estes dias este é o tema de todos os temas, a conversa de todas as conversas.
Na verdade, agora mais a propósito do Orçamento do Estado para 2010, somos inundados, a toda a hora, na televisão, na rádio e jornais, com os astronómicos números que estão em jogo, os milhares de milhões das receitas e das despesas, com os deficits, as percentagens, os aumentos, as reduções, os congelamentos, as ameaças, as negociatas, as manigâncias, tudo à volta do Orçamento. É um sem fim de números, de impropérios, de discursos com que nos massacram os ouvidos e a paciência. O que para aí não vai, nos corredores e nas alcovas, de orgasmos, de deleite, de gozo, de angústias e de sofrimentos, tudo pelas vitórias e derrotas das negociatas e negociações à volta do Orçamento e da Crise!
Não gostaria pois de cingir a minha análise apenas às questões que têm sido debatidas – para que de resto me faltaria bagagem – e iria tentar uma abordagem diferente deste tema dos dinheiros, do Orçamento, dos números e rácios que compõem a crise. Em vez de Orçamento gostaria de falar em orçamentos e, em redor dele, de trazer à colação as causas da crise e de apresentar alguns contributos para a superar. Ou seja, mais modestamente, de dar alguns palpites que a experiência adquirida ao longo do caminho já percorrido nos permitiu acumular.
Como o tema continua a ser muito vasto e para não ser tão maçador vou dividi-lo por algumas partes, não sei ainda quantas, em cada uma das quais direi então qualquer coisa. Deste modo estarei também safo por uns tempos em termos de ir dando continuidade ao compromisso que assumi perante a Animus.
Vejamos então.
Quando penso nesta coisa dos orçamentos e dinheiros lembro-me muitas vezes do meu primeiro dinheiro.
Foi na festa da Nossa Senhora da Agonia, em Setembro, teria eu 9 ou 10 anos, a minha querida mãe deu-me dez tostões. Um dinheirão que chegou para comprar um pirolito, algumas rifas e ainda sobrou muito dinheiro.
Era o tempo em que o dinheiro era pouco, muito pouco. Era-lhe dado o justo valor, não se estragava. Só se comprava o essencial. Na Feira do Roqueiro, em Agosto, o meu avô comprava uma melancia enorme vinda das campinas do Ladoeiro, ali para os lados da Idanha, com que nos deleitávamos à noite no regresso a casa depois de uma hora de caminho. Que delícia!
Às vezes o meu avô levava-me à vila. A merenda era na tasca do Ti Anselmo, uma mesa de madeira comprida, muito escura e sem toalha, e o menú era invariavelmente atum com cebola e pão de trigo. Um pitéu! Mas o meu avô estava sempre a barafustar que o Ti Anselmo era um ladrão, vejam lá pagar quinze tostões só por isto! Mas voltava sempre à tasca do Sr. Anselmo.
Os homens que trabalhavam de sol a sol, na dureza da lavoura, ganhavam 10 escudos se fosse a comer e 20 escudos a seco.
Mas havia dignidade, bonomia, as pessoas eram frugais, vivia-se com o que se tinha.
Bom, mas como diriam os meus filhos, isso foi há 50 anos, só sabes falar do que acontecia há 50 anos.
Pois é, mas perante o desvario, perante o esbanjamento que se foi apossando dos nossos tempos, quem nos garante a nós que não teremos que regressar a alguma práticas desse passado de há 50 anos?
Não preconizo o regresso a esse tempo. Não tenho nenhumas saudades dos sacrifícios, da escassez do tempo antigo. Mas talvez os políticos que temos fizessem muito melhor os Orçamentos se conhecessem o país onde têm as raízes, se o dinheiro lhes custasse a ganhar, se se inspirassem em valores que desconhecem, que já esqueceram ou que nunca chegaram a aprender.
E que todos também nos lembrássemos que mais de metade da humanidade vive com menos de um euro por dia!
Uf! Aqui está a primeira crónica. Espero que sejam complacentes. O tema segue em próximos números. Até que me mandem ter juízo.
Lisboa, 8 de Fevereiro de 2010
Silvério Mateus